laborathorio da pharmácia

segunda-feira, junho 13, 2005

Subvenções vitalícias e aposentação

Do “Comunicado do Conselho de Ministros de 8 de Junho de 2005”:

I. O Conselho de Ministros, na reunião de hoje, que teve lugar na Presidência do Conselho de Ministros, aprovou o diploma seguinte:
Proposta de Lei que altera o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos
…………………

Assim, e tal como tinha sido anunciado, a partir do dia da entrada em vigor da nova Lei o tempo de exercício de funções políticas deixa de contar para o cálculo do valor da subvenção vitalícia ou do subsídio de integração. Nestes termos, os titulares de cargos políticos que até ao termo dos mandatos em curso preencham os requisitos previstos na lei vigente, apenas terão direito à subvenção ou ao subsídio correspondente ao tempo de exercício de funções decorrido até à entrada em vigor da nova lei agora proposta pelo Governo.
Idêntico princípio será seguido, aliás, para os funcionários públicos que iniciaram funções antes de 1993 e que verão alteradas as regras de cálculo das suas pensões: o valor das pensões reflectirá, proporcionalmente, o tempo de exercício de funções ao abrigo da lei antiga e o tempo de exercício de funções ao abrigo do novo regime. A diferença é que para os políticos o novo regime não prevê nenhum direito em substituição dos agora eliminados, pelo que o tempo de exercício de funções a partir da entrada em vigor da lei não terá nenhuma implicação de acréscimo do valor das pensões ou dos subsídios devidos.
………………….

Temos assim que o conselho de ministros (que, a este ritmo, não tarda, passa a diário) aprovou, entre outras, a “Proposta de Lei que altera o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos”.

Meia dúzia de notas:

1. Não se compreende porque razão o governo resolve usar como termo comparativo e exemplo justificativo da extinção de regalias atribuídas aos titulares de cargos políticos, a alteração ao regime de aposentação dos funcionários públicos que se propõe levar por diante.
A que propósito se diz que “idêntico princípio será seguido, aliás, para os funcionários públicos que iniciaram funções antes de 1993 e que verão alteradas as regras de cálculo das suas pensões: o valor das pensões reflectirá, proporcionalmente, o tempo de exercício de funções ao abrigo da lei antiga e o tempo de exercício de funções ao abrigo do novo regime?

2. Há uma clara e substancial distinção entre o que é um titular de cargo político e o que é um funcionário público. Não são realidades iguais nem sequer idênticas.
Posto isso, o que possa valer quanto a uns não tem necessariamente que valer para os outros, sendo absolutamente inapropriada qualquer comparação, ainda que seja apenas para “dar o ar” de que se está a proceder de “igual forma” para todos.

3. Sinteticamente, titular de cargo político é aquele que, geralmente (mas não necessariamente) eleito, desempenha funções como titular de órgão de soberania, de órgão previsto na Constituição ou de órgão do Estado, (em regra) como forma de participação e de exercício pleno da sua cidadania e não como actividade profissional ou forma de subsistência.
Não quer isto dizer, contudo, que essa actividade não deva ser (devidamente) remunerada (o que hoje não acontece); o que essa actividade não pode e não deve ser transformada é na (única e exclusiva) “forma de vida”, de subsistência, do seu titular, (ressalvada a excepção da judicatura, que não obstante tratar-se do exercício da soberania, é-o em termos de actividade profissional com carácter absolutamente exclusivo).

Significa isto que os titulares de cargos políticos exercem (ou deviam exercer) esse cargo como “missão” e não como “emprego”. O que é por dizer que a titularidade de um cargo político não corresponde assim ao exercício de uma profissão (ser “político” não é, nem pode ser profissão).

4. Por seu lado, “funcionário público” é aquele que, a título profissional, exerce o seu trabalho, como “empregado do Estado” no que se convencionou chamar de “função pública” (ou seja, o conglomerado das actividades levadas a cabo pelo “estado-administração”).
Ora o funcionário público exerce a sua actividade com carácter profissional – esta é a sua profissão – existindo entre ele e o estado uma relação jurídica de emprego público.

5. Então, porque razão o governo estabelece uma “similitude”, passível de “confusão”, entre “cargos políticos” e “funcionários públicos”, e partir daí entre os respectivos regimes de subvenção e aposentação, fazendo crer e tentando “passar” para a opinião pública que ambos são a mesma e única realidade?

6. Em termos gerais, o que está em causa para os titulares de cargos políticos é a cessação do direito à percepção de uma subvenção mensal vitalícia (para quem for curioso veja o artigo 24º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril) que se adquire após doze anos (inicialmente apenas oito) no exercício de funções políticas, correspondente a 80% (no máximo) do vencimento do cargo político exercido (artigo 25º), e de um subsídio de reintegração, para quem não chegou a completar doze anos no exercício de cargos políticos (artigo 31º), correspondente ao vencimento mensal do cargo e pago tantas vezes quanto o número de semestres no exercício do cargo.

7. A pensão de aposentação (assim se designa a pensão de reforma dos funcionários públicos) é uma forma do direito à segurança social conferido pela constituição e apanágio de um estado social, e destina-se a assegurar as condições de vida aos que deixaram de ter a força e vitalidade necessárias para o exercício de uma actividade profissional.
Na função pública, o direito à aposentação adquire-se, actualmente, ao fim de 36 anos de serviço e após se perfazerem 60 anos de idade, em regra, pois há alguns regimes excepcionais (que seria curioso verificar quando e por quem foram criados).

8. O que está em causa com a medida do governo agora anunciada é o fim do pagamento dos benefícios conferidos aos titulares de cargos políticos.
Ora o que é que isso tem a ver com um direito social que é a pensão de aposentação dos funcionários públicos?
O que é que uma subvenção mensal vitalícia adquirida ao fim de 12 anos de desempenho de um cargo político, por causa desse desempenho, qualquer que ele seja (e que, ainda é acumulável com a pensão de reforma) tem a ver como uma pensão de aposentação adquirida ao fim de 36 ou mais anos de trabalho?

9. Por outro lado, o “método de corte”, adoptado pelo governo, para estes benefícios dos políticos, é um “método indirecto”: o benefício continua (ou pode continuar) a estar previsto na lei.
Só que a partir do momento da publicação da lei, o tempo no exercício de funções políticas deixa de relevar para atribuição daquele benefício.


No que toca aos funcionários públicos, o governo apresta-se a alterar as regras da fórmula de cálculo da pensão de aposentação de todos os que ingressaram na função pública antes de 1993.
Grosso modo, a “aposentação” deixa de corresponder ao vencimento, para passar ser apenas uma percentagem deste.
Para este efeito, o governo pretende introduzir um critério de cálculo “a dois tempos”: até à entrada em vigor da lei a pensão é calculada “à antiga” (vencimento por inteiro); a partir da entrada em vigor da lei, a aposentação è calculada “à moderna” (percentagem do vencimento).

10. Estão assim em causa dois “direitos” absolutamente distintos na sua origem, na sua finalidade e na sua sustentação.
Então para quê dizer que, na alteração dos dois regimes, a diferença é que para os políticos o novo regime não prevê nenhum direito em substituição dos agora eliminados, pelo que o tempo de exercício de funções a partir da entrada em vigor da lei não terá nenhuma implicação de acréscimo do valor das pensões ou dos subsídios devidos, como se para os funcionários públicos o novo regime de aposentação viesse prever um “novo” direito, “em substituição do anterior”, direito este que manteria uma situação de algum “privilégio” dos “aposentados” em relação à situação dos “políticos”?

11. O que claramente se verifica é que, com este tipo de argumentos, o governo pretende contornar o problema de uma eventual inovação da inconstitucionalidade destas iniciativas, por violação de “direitos adquiridos” ou de “legítimas expectativas juridicamente tuteladas”, quer do lado dos políticos quer do lado dos funcionários públicos.
Designadamente, o governo pretende evitar a todo o transe que os funcionários públicos venham alegar inconstitucionalidade quanto à alteração da forma de cálculo das pensões de aposentação “a meio” do seu percurso contributivo, para o que desde já alega que o critério que aí vai ser aplicado é exactamente igual ao que foi aplicado ás subvenções mensais vitalícias dos políticos, que também exercem funções no estado!

12. Parece claramente que esta chamada “à colação” dos funcionários públicos a propósito dos políticos serve apenas para fazer passar a ideia de que os funcionários públicos não são “melhores” nem “mais” que os políticos (sendo todos uma “cambada” de “malandros”) e que ambos auferem de “benefícios” (ilegítimos ou, no mínimo, excessivos, presume-se).
E que por isso devem ver estes “benefícios” cortados.
E que agora cortam-se os dos “políticos”.
E depois cortam-se os dos “funcionários públicos”, tendo como base um critério exactamente igual ao dos políticos.
Assim nem uns nem outros poderão dizer que há desigualdades no corte de “benefícios” e que o critério não é igual para todos.

13. Mais uma vez o governo, deliberadamente, “confunde o trigo com o joio”.
Mais uma vez pretende justificar uma situação “desigual” com o “pó” de uma imaginária “igualdade” atirado aos olhos do país.
E mais uma vez, tem lugar nova mostra de uma lamentável utilização de falácias argumentativas e de um manifesto exercício demagógico!